Verso do poema "(Des)motivo" - do livro "Moinho" - 1ª edição 2006; 2ª edição 2021

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Anunciação


Anunciação era professora, diretora, inspetora, delegada, juíza, promotora... O que ela quisesse ser.

Regina Coelho[1]

Usava blusa ou vestido com mangas compridas ou curtas. Sua roupa compunha-se com sandálias de abotoar nos pés. Gostava também de salto, mas era um tamanquinho bem leve. No pescoço levava quase sempre um colar, que mais parecia um terço. Com lenço na cabeça, sombrinha a tiracolo (fazendo sol ou chuva), ela usava óculos grandes, professorais. E seus gestos diziam de sua sabedoria, das posições sociais que ocupava no tocante ao Ensino.
Não estou certo se Maria Anunciação de Jesus tinha leitura. Mas com os grandes óculos postados e os olhos firmes (em jornais, revistas, livros e papéis avulsos ou acondicionados em pastas), ela se concentrava. Seus dedos ágeis tocavam as letras. E a mulher lia: não sei se o que estava realmente impresso ou se palavras outras que sua mente garatujava.
O seu dedo anular não andava desnudo por Resende Costa. E o anel que levava tinha brasão. Não do sangue nobre que passa de pai para filho, mas de uma formatura a que ela acedera, conforme seu testemunho, depois de muito estudar.
Com o anel de formatura marcando presença, suas mãos seguravam papéis e pastas. Muitas vezes eram jornais mais que dormidos, com notícias do mundo já passadas. A tudo ela segurava junto ao peito. A mão direita firmando o saber no lado esquerdo do tórax, bem rente ao coração.
O seu nome era ignorado por muitas pessoas. Por várias outras, não. Mesmo assim, entre todos sempre havia bocas sem controle, um sadismo sem peia. E apelidavam-na de Ponte Preta, Maria Fumaça e outras alcunhas afins. O apodo que lhe ficou mesmo, o que angariou fama na pequena cidade, foi o de Maria Fumaça.
Incomodavam-na as brincadeiras de mau gosto. Tanto que bradava com os provocadores. Não obstante o incômodo, ela, paradoxalmente, demandava tais provocações, chegando mesmo a não admitir que não percebessem sua presença quando passava, por exemplo, perto de crianças desordeiras. No fundo, adorava quando mexiam com ela. Os seus divertimentos eram dois: o de fazer-se “professora, diretora, inspetora, delegada, juíza, promotora... O que ela quisesse ser” e o de ser a atenção do sadismo de muitas pessoas, aquelas cujas línguas se julgavam inofensivas em suas brincadeiras.
Em 1992, Maria Anunciação de Jesus passou a viver no Lar São Camilo. Com a idade já bem avançada, pôde encontrar ali os cuidados necessários que a passagem do tempo demanda de todos nós.
Nessa casa de idosos, minha mãe foi conversar com ela certo dia e lhe perguntou se estava tudo bem. “Ah, tô, minha fia! Tô sim.” E em seguida, corrigindo-se no português: “Só que estou afastada do Assis Resende [Escola]. Tanto que fazer parado! Os alunos e professores sem inspeção! Só Deus para tomar conta, né?!”
Estive com ela, também no Lar São Camilo, no segundo semestre de 2016. Fui lá com minha irmã e sobrinhas para fazermos com os idosos uma pequena festa. Levamos guloseimas, com o devido cuidado de pensar nos casos que demandavam dietas específicas. A confraternização foi boa, deveras. Até encontrei uma simpática senhora que grudou em mim, me abraçando e me beijando a torto e a direito, dizendo que eu era o seu noivo. E que depois ainda ficou lamentando por ter um nubente tão desleixado que não quis lhe beijar a boca. Vejam só! Mulher tão alegre, de vida tão esfuziante, e com energia para dar e vender!
Em certo momento, numa fuga da “minha noiva”, fui ao quarto de dona Anunciação. Ela já estava impossibilitada de se levantar e, portanto, não fora ter conosco no simples festejo. Com olhos esbranquiçados, já não enxergava mais. Não por praxe, mas por um amor espontâneo, indaguei-lhe como estava. Me disse que não se encontrava bem e me pediu que rogasse a Deus para que ela pudesse ter o necessário e final descanso.
Meses depois ela fechou os olhos já cansados de tanta vida. Nos deixou no dia 20 de janeiro de 2017. Se esperasse por mais uns 65 dias, teria entrado na vida eterna na mesma data em que, pela tradição católica, o arcanjo anunciou à Virgem o advento do Cristo. Isso, porém, não importa. Sendo o calendário criação humana, qualquer dia é dia de nascer. E Maria Anunciação anunciou-se às portas do Céu. Agora sem cegueira, sem pernas fracas, mas ainda com seus óculos professorais e eternos.


[1] Do artigo “Tempos de Anunciação” – Jornal das Lajes, 16 de fevereiro de 2017. Disponível em https://www.jornaldaslajes.com.br/colunas/contemplando-as-palavras/tempos-de-anunciacao/1001.

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Ler e escrever: fabulação, memória e vida


Discurso de posse
Acadêmico: Evaldo Balbino
Cadeira no 1 – Patrono: Severiano Nunes Cardoso de Resende



Ler e escrever: fabulação, memória e vida


Evaldo Balbino


Alguém deve rever, escrever e assinar os autos do Passado antes que o Tempo passe tudo a raso.

Cora Coralina, 1985, p. 39




Cumprimento à presidência desta Academia, bem como a todos os estimados confrades e confreiras aqui presentes. Do mesmo modo saúdo aos demais ouvintes e partícipes desta sessão.
De imediato também agradeço a esta casa pelo modo caloroso com que o meu nome está sendo acolhido para compor esta irmandade de letras, cuja existência é importante para o estímulo à cultura de uma sociedade.
        Saudações e agradecimento feitos, prossigo minha fala lembrando o famoso verso de Fernando Pessoa: “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce” (Pessoa, 2001, p. 78). Não reatualizo aqui o tom mítico e glorioso do livro Mensagem, em que o poeta português representa um Portugal saudoso de seu passado heroico, sonhador de um futuro messiânico e por isso mesmo uma nação imersa em brumas e incertezas. Já que todos somos ladrões de palavras, parafraseando o psicanalista francês Michel Schneider (SCHNEIDER, 1990), o que faço, roubando o poeta das múltiplas faces, é dizer que venho sonhando desde o início de minha existência. E acredito que o venho fazendo a partir de um querer que é meu por empréstimo, por mercê de outra vontade anterior à minha, um desejo divino. E de tanto sonhar e querer o que antes fora querido para mim, estou aqui hoje proferindo estas palavras na Academia de Letras de São João del-Rei.
        Cada obra que nasce num direcionamento positivo (sejam livros, atos, conhecimentos produzidos, amizades cultivadas, títulos recebidos...) é parto sempre em processo num percurso onde o querer divino e o sonho humano se irmanam. E dessa irmandade germinam os frutos cem por um, da mesma maneira milagrosa e real com que o Evangelho diz ser possível propagar-se a palavra de Deus (MARCOS, 1999, p. 66).
        Algumas realizações me trouxeram até aqui. Ou melhor, alguns sonhos. Para não desdobrar tanto o que tenho a dizer, atenho-me, em termos gerais, aos sonhos poéticos que em mim começaram a germinar lá mesmo na minha infância: os artefatos construídos através de palavras.
        Desde criança, os mundos ficcionais e as imagens construídas por poetas me fisgaram. A literatura me enredou como se prende à rede um peixe. Mas aqui não se trata de um peixe arredio nas possibilidades aquáticas. Minha entrega ao verbo poetizado foi e é amorosa. Sou prisioneiro das tramas que a arte faz e me permite fazer.
Jacó lutando com o anjo; a passagem hebreia pelo Mar Vermelho; o Sol retrocedendo em favor da fé de um homem; Daniel na cova dos leões; o Cristo descendo ao Hades e ascendendo aos céus... as inesquecíveis memórias da boneca de pano Emília; Marcelo, marmelo, martelo; O bonequinho doce; A bonequinha preta; A arca de Noé; Ou isto ou aquilo... E assim prosseguiam as leituras/escrituras, sagradas ou não. Mas ao fim e ao cabo todas sagradas. Nos inícios da minha jornada, os autores bíblicos, Monteiro Lobato, Rute Rocha, Alaíde Lisboa de Oliveira, Vinicius de Moraes, Cecília Meireles e outros cultivadores da arte da palavra me estimularam a amar a vida através de enredos e cantos, as redes da arte. Tessituras.
Com o tempo fui percebendo que esse amor nunca fora e nunca é em vão. Além do prazer estético, que é fundamental para o que há de humano em nós, a arte vem me mostrando cada vez mais o seu poder, não apenas de construir mundos possíveis, mas também de me plantar neste mundo mesmo, apontando-lhe o sublime e o baixo, e sempre fazendo isso com beleza.
Como, por exemplo, não nos lembrarmos de Goya e da sua tela Os fuzilamentos de três de maio? Ali, o terror de um massacre é representado de modo firme pelas mãos do pintor. Diferentemente de uma cena real de fuzilamento, o quadro é belo em suas pinceladas rápidas e em seu jogo de luz e sombra. A fleuma assassina consubstancia-se na frieza das cores mortas, enquanto as personagens martirizadas expressam seus terrores inundados de intensa claridade.
Não é de sadismo que se trata esta contemplação da tela de Goya. Antes é o vislumbre de como a beleza da arte nos salva da vida nos jogando na própria necessidade premente do viver. A arte nos ensina a reorganizar o mundo, a fabular suas configurações, para melhor o apreciarmos no que ele tem de amorável e para suportarmos o que ele possui de doloroso.
As memórias da boneca de pano Emília fazem isso muito bem. Elas fabulam mundos possíveis, mentiras criativas e devaneios certos, para arrematarem com esta admirável e humana reflexão:

Antes de pingar o ponto final quero que saibam que é uma grande mentira o que anda escrito a respeito do meu coração. Dizem todos que não tenho coração. É falso. Tenho, sim, um lindo coração – só que não é de banana. Coisinhas à toa não o impressionam; mas ele dói quando vê uma injustiça. Dói tanto, que estou convencida de que o maior mal deste mundo é a injustiça.
Quando vejo certas mães baterem nos filhinhos, meu coração dói. Quando vejo trancarem na cadeia um homem inocente, meu coração dói. Quando ouvi Dona Benta contar a estória de D. Quixote, meu coração doeu várias vezes, porque aquele homem ficou louco apenas por excesso de bondade. (...) e estou vendo que é isso que acontece a todos os bons. Ninguém os compreende. Quantos homens padecem nas cadeias do mundo só porque quiseram melhorar a sorte da humanidade? Aquele Jesus Cristo que Dona Benta tem no oratório, pregado numa cruz, foi um. Os homens do seu tempo que só cuidavam de si, esses viveram ricos e felizes. Mas Cristo quis salvar a humanidade e que aconteceu? Não salvou coisa nenhuma e teve de aguentar o maior dos martírios.
Quando falo assim, Narizinho me chama de “filósofa” e ri-se. Não sei se é filosofia ou não. Só sei que é como sinto e penso e digo.
Eu era uma criaturinha feliz enquanto não sabia ler e, portanto, não lia os jornais. Depois que aprendi a ler e comecei a ler os jornais, comecei a ficar triste. Comecei a ver como é na realidade o mundo. Tanta guerra, tantos crimes, tantas perseguições, tantos desastres, tanta miséria, tanto sofrimento...”. (LOBATO, 1952, p. 140-141)

Eis uma boneca de pano pensante dividindo seus sentimentos com o leitor. E denunciando, ambos (ou melhor os três), as mazelas do mundo. Escrevendo e lendo, Monteiro Lobato, Emília e eu formávamos três vozes se tecendo com as malhas da vida. Isso aconteceu quando li essa deliciosa brochura contendo as memórias da boneca inteligente e atrevida. Aconteceu e ainda acontece. Lobato e suas mãos se foram, mas a sua obra permanece. Tanto é verdade, que estou aqui, hoje, ruminando tais palavras sábias e belas. Eis a arte atravessando o tempo, o tempo com “T” maiúsculo, o tempo que “passa tudo a raso”, no dizer de Cora Coralina. Com a arte, burlamos esse tempo inexorável.
Do mesmo modo o meu conterrâneo, o escritor Gentil Ursino Vale, burlou o Tempo, reinventando memórias da vida e, em específico, de Resende Costa. É um de seus narradores que também nos diz: “Meu mal foi o de ter aprendido o ABC. Ele foi a tocha que me alumiou a vereda do sofrimento” (VALE, 1982, p. 14). Isso é dito num conto cujo título é justamente “Lamento da terra verde”. A leitura, e mais ainda a leitura da literatura, nos descortina as visões da mente. O horizonte do pensar fica mais desanuviado em relação ao mundo. A representação artística nos enreda mais, e mais nos faz pensar sobre aquilo que ela representa. As cores, o ritmo, os sons, as palavras de certo modo agrupadas... tudo isso produz arte que nos emaranha num saber pleno de sabor – doce e amargo, ao mesmo tempo.
Este célere passeio que ora faço (pela singela poética de Cora Coralina, pela caudalosa poesia de Fernando Pessoa, pelos autores bíblicos, por uma tela de Goya, por algumas das minhas primeiras leituras infantis e pelas palavras de Gentil Ursino Vale) é para falar de uma entrega amorosa que devoto desde cedo às letras em estado poético. Uma dedicação ao abc que me traz luz e escuridão. E no cômputo geral desse empenho, o que resulta é sempre lucidez. Claro olhar para o passado e para o presente. Um sonho desejoso de futuro.
E, na lucidez que me atravessa, espero, a partir de agora, contribuir um pouco e humildemente com esta Academia cuja função é nobre. O que uma casa de letras tem em mãos é o poder de permanência e de renovação, por possibilitar a convivência fraternal em torno da literatura, da educação, das artes, da memória e, sobretudo, da palavra. A palavra que se falou e que se perdeu. Mas também o verbo que se guardou em registros da vida e que pode e deve ser resgatado e reconstruído nas revisitações que fazemos aos que nos antecederam e aos que nos são coetâneos. A memória, quando cultivada e refeita, é terreno fértil para a permanência e reformulação das culturas em suas múltiplas vitalidades.

Academia de Letras de São João del-Rei
São João del-Rei, 26 de novembro de 2017


Referências bibliográficas

CORALINA, Cora. Poemas dos becos de Goiás e estórias mais. 7 ed. São Paulo: Global, 1985. p. 39.
LOBATO, Monteiro. Memórias de Emília e Peter Pan. São Paulo: Brasiliense, 1952. p. 140-141 (Obras completas de Monteiro Lobato, vol. 5).
MARCOS 4,8. Bíblia de estudo Almeida – Revista e atualizada. Barueri – São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1999. p. 66.
PESSOA, Fernando. Mensagem. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2001. p. 78.
SCHNEIDER, Michel. Ladrões de palavras: ensaio sobre o plágio, a psicanálise e o pensamento. Tradução de Luiz Fernando P. N. Franco. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990, 503 p. (Coleção Repertórios).
VALE, Gentil Ursino. Confidências do Agreste. Belo Horizonte: São Vicente, 1982. p. 14.

domingo, 12 de novembro de 2017

Vade retro, preconceito!




Na igreja cheia, outro dia, fui obrigado a escutar o ancião proclamando o ódio.


O que chamo aqui de ancião é um cargo, título dado numa igreja ao pastor-mor, padre-mor, cooperador-mor... e os nomes vão variando de denominação para denominação religiosa.


O ancião, em sua sabedoria, cancelou um momento glorioso em que fiéis (a Deus e não ao homem – pelo menos assim desejo) agradeceriam à divindade por dádivas recebidas. Acho lindo esse momento: aquele em que, com lágrimas alegres e júbilo sem par, as pessoas vão lá adiante aos microfones e propalam sua fala aos quatro ventos, dizendo que Deus é O que opera em nossas vidas.


Esse momento foi interrompido. Isso porque o ancião achou por bem discursar sobre algo muito sério com a Igreja. E falou sim de algo sério.


Em suas palavras, “o mundo está pervertido, e agora, nas escolas, querem apregoar a nossos filhos e netos a tal da ideologia de gênero”.


E continuou a sua rancorosa homilia, numa mistura terrível de conceitos, não sabendo discernir “gênero” de “sexualidade”. “Nascemos homem e mulher – está escrito isso no livro de Gênesis. Assim nascemos, e qualquer outra possibilidade é pecado, é fuga da natureza de que somos constituídos divinamente. Agora querem que o indivíduo fique exposto a diferentes experiências sexuais, para depois decidir o que vai querer na vida”.

Com tais palavras e outras mais confusas ainda, sua voz foi ecoando brava pela igreja, reboando como se fosse a voz de Deus pela abóbada do templo. Um deus terrível, de leis e de guerra, de ira e de fúria. E acrescentou que “não devemos, de modo algum, permitir que professores ensinem esse absurdo nas escolas”.

Deu-me vontade de perguntar a esse senhor (tão lido, tão cheio de formação acadêmica) se não seria melhor, primeiro, ele se informar mais sobre o que é ideologia de gênero, o que é sexualidade e o que é, mais especificamente, sexualidade humana. Tive vontade de dizer-lhe que as questões de gênero podem até abarcar as de sexualidade, mas que vão além destas. Sabendo discernir tudo isso, talvez ele continuasse com seus preconceitos, mas pelo menos não faria mistura tão confusa numa única panela. E a sua panela, por sinal, não é a das bruxas, mas sim aquela em que estão condenadas ao cozimento eterno (do inferno!) as vozes heréticas dos que estudam as questões de gênero e denunciam as opressões históricas que muitos sujeitos já sofreram por não se enquadrarem em parâmetros milenares.

Além disso, deu-me vontade de perguntar a esse mesmo senhor o que ele faria em sala de aula, sendo professor de crianças e/ou adolescentes, se tivesse que lidar com gêneros que não os tradicionais masculino e feminino, homem e mulher. Por acaso ele bradaria com a Bíblia em riste sua voz contra as diferenças? E que mau uso estaria fazendo ele da Bíblia! Esta coletânea linda de livros que, via de regra, se usa como espada cortante e perversa!

Poderão dizer que não fui obrigado a ouvir tudo isso, que eu poderia ter saído da igreja naquele momento, que se fiquei ouvindo foi porque quis. Poderão até aplicar a mim aquele velho ditado: “Os incomodados é que se retirem!”.

Mas escrevo estas linhas é para defender o desejo de qualquer pessoa de estar congregada num templo, naquela busca de união entre os seus pares que querem o sagrado. Cada um ali, roçando sua fé no outro, fazendo isso no intuito de criar mais forças para sentir as seivas espirituais de luz e vida. Ninguém é obrigado a ir a um templo, mas tem o direito de fazê-lo. Como fazer isso, no entanto, se ali mesmo na igreja muitas vozes oficiais se insurgem contra esses mesmos sujeitos desejantes de Deus?!

Do jeito que as coisas quase sempre caminharam e ainda caminham nos santuários, terminamos por ver aquilo que profetas (do porte de um Isaías, Jeremias ou Ezequiel) já denunciavam em seus discursos poéticos e firmes: certos pastores acabam por espalhar as ovelhas ao invés de reuni-las. Aliás, essa denúncia do mesmo modo foi atribuída ao amoroso Cristo pelos escritores dos quatro evangelhos.

Também é nas mesmas igrejas que sempre aparece o discurso – divulgado ou tácito – da exclusão religiosa. Quase sempre aquele pensamento do “aqui” e do “lá de fora”, de que quem está na igreja tem Deus e de que os que estão fora dela passam ao largo das vestes divinas. Sempre, quase sempre, aflora a ideia de que existem por um lado os fiéis salvos e por outro as criaturas; por um lado os homens naturais com seus pecados, por outro os homens espirituais, os despidos das carnalidades que devem ser esconjuradas.

Ai, meu Deus! Até quando tanta divisão, tanto binarismo!?

Uma vez ouvi um padre dizer que não se deve levar a palavra de Deus a um cigano, pois ciganos são terríveis. Ora essa, é bom mesmo que nem se leve tal palavra! Deixemos o cigano (quaisquer ciganos) viver a(s) sua(s) experiência(s) religiosa(s) ao longo da vida. Sabemos abundantemente o que essa tal ideologia de levar a palavra de Deus muitas vezes aprontou pelo mundo afora. Quantas atrocidades, quantas perseguições, quantos massacres físicos e culturais ocorreram!?

E o que as religiões deveriam ser acabam não sendo: religare. Muitas vezes (não sempre, graças a Deus!) nos separam do amor de Deus e nos separam dos nossos próximos, do mundo, da vida bela em suas diferentes manifestações.

Parece que a prática do exorcismo, tão maléfica e mal praticada em diversos momentos da história da igreja católica, deve voltar agora. É urgente que ela volte. Mas os demônios a serem exorcizados são tão nossos, cotidianos: os diabólicos preconceitos, as danosas divisões e exclusões, os discursos de ódio, as práticas de terror, a recusa violenta das diferenças. Tudo isso e muitos outros males que as sociedades humanas foram desenvolvendo. Tudo isso é sim uma legião, a verdadeira legião que deve ser combatida.

Combatida inclusive aqui no Brasil, onde assistimos cada vez mais, e principalmente nos últimos anos, aos discursos de ódio e preconceitos ganhando ares de legalidade, defendidos dentro do âmbito legislativo de nosso país. Não é à toa que, semana passada, Judith Butler, filósofa norte-americana especialista em estudos de gênero, foi vítima de agressões verbais e físicas no aeroporto de Congonhas, perpetradas por fundamentalistas.

Os tempos são cada vez mais temerosos. Não se trata aqui de idealizar o passado. Onde o homem já pisou, males abrolharam. O que nos assusta é eles germinarem, e com muita força, num mundo (e aqui não falo só do Brasil) onde já passamos por vastas experiências de suposto amadurecimento democrático publicado aos quatro cantos.

O tempo vai passando e deixando lições. Mesmo assim, continuam se erguendo espinhos. Exorcizemos tais demônios!



© Evaldo Balbino




quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Livros meus - onde adquirir



Prezados e prezadas, boa noite.

Em resposta a perguntas que me vêm chegando in box, digo-lhes que todos os meus títulos estão à venda em livrarias virtuais, tanto no Brasil quanto no exterior. Seguem alguns links:

Livraria Cultura:

7Letras:

Livraria Saraiva:

Fnac:

Livraria da Travessa:
https://www.travessa.com.br/Busca.aspx?d=1&cta=1&ta=Evaldo Balbino&o=1


Estante Virtual:

Martins Fontes:

Livraria da Folha:

Submarino:

Nelpa:

Livrarias Curitiba:

Livraria do Psicólogo e Educador:

Caixa dos Advogados do Paraná:

Cia dos Livros:

Rakuten Kobo:

Alibris:

sábado, 14 de outubro de 2017

Pássaro como destino: notas para o livro "Desatino" de Lara Carneiro Magalhães



Vira e mexe vou a Montes Claros para atuar como membro titular de bancas de mestrado, avaliando trabalhos acadêmicos que me surpreendem sempre pelo caráter acurado das pesquisas realizadas na Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES). Numa dessas empreitadas, conheci a então candidata a mestre, hoje já portadora do título, Noêmia Coutinho Pereira Lopes.
Na ocasião, a professora Noêmia muito me surpreendeu com sua intensa dedicação ao ensino. E a partir de então continuamos em contato, mesmo que à distância. Ela me disse de um projeto de leitura e escrita que desenvolve com seus alunos do Ensino Fundamental, intitulado “Escritores da liberdade na estrada de tijolos amarelos”, numa referência aqui ao fabuloso e inesquecível mundo de Oz criado por L. Frank Baum.
Recentemente, agora em agosto de 2017 num congresso no Rio de Janeiro, nós nos reencontramos e ela me presenteou com três livros de alunas suas que participaram do referido projeto: Lara Carneiro Magalhães, Bibi Ribeiro e Anna Luiza Rocha. Cito os nomes seguindo os anos de edição de cada livro, respectivamente, 2015, 2016, 2017. E seguindo essa ordem, comecei a leitura pelo livro Desatino, de Lara, editado em 2015. Feita a leitura desse volume de poesias, deixo aqui algumas notas.
Estamos no terreno da poesia. E me alegra ver alguém tão jovem (Lara Carneiro nasceu em Montes Claros em 2001) trilhando esse terreno. E acrescento que, no livro em questão, as ilustrações de Karoline Soares recriam com arte e sensibilidade as sensações construídas pelos poemas.
De imediato Lara nos coloca diante da importância, para si, do escrever, da escrita que se faz como busca de autoconhecimento e de entendimento: “Atualmente, escrevo porque encontro nas palavras tudo de que preciso. Posso fazer delas o que eu quiser [...] Este exemplar é apenas uma mera tentativa de fazê-lo, de achar um ponto na reta em que eu realmente me encontre” (“Nota da autora”, p. 7). A busca por esse “ponto na reta” se configura numa imagem bela criada pela jovem autora no poema “Sintonia contraditória” (p. 44): “Páginas nunca terão asas, / Palavras sempre têm.”. E é nas asas das palavras que a poesia se faz, voando, permitindo ao sujeito desejar e criar imagens para o seu desejo: “Pois que amemos; apaixonemo-nos às danças sutis dos ventos!” (“O conceito do amor”, p. 38).
No livro como um todo, encontramos aqui e acolá momentos que demonstram o tato da autora com as palavras poéticas, o que demonstra possibilidades de ela avançar pelo campo da poesia – esta “estrada amarela” –, caso prossiga nessa senda como leitora da boa arte poética e como produtora constante e persistente de textos nessa linha. Assim destaco algumas imagens tais como: “Eu sonho / Sonho com a neve / Nevando quente / Veneno de serpente / Sonho pesadelo / Simplesmente sonho” (“Sonhos”, p. 54) e “Um vazio cheio de nada / Uma escuridão iluminada / Um fogo de chamas frias / Um poema sem rimas / É o tempo se consumindo” (“Como é”, p. 24). Essas imagens paradoxais apontam para a potência do sonho e também para a passagem do tempo, o tempo escoando e ecoando também no belo poema “Relógio de bolso” (p. 20), em que se tece um desejo de parar o tempo, o inexorável tempo.
Destaco outros poemas que, no todo, são melhor realizados, pois apresentam linguagem ágil, condensada, com imagens que mais sugerem do que realmente dizem. E isso, sabemos, é um dos grandes alicerces da poesia. Tais poemas são “Plano de fuga” (p. 55), “Identidades” (p. 58-59), “Nosso tesouro” (p. 71) e “Sabor de chuva” (p. 77). Destaco este último, onde as imagens rápidas e inusitadas são certeiras, recriando sensações do ser atreladas ao momento líquido que a chuva proporciona: “Chuva / Chovendo / De mansinho, / Paira / No ar / Sinal de / Sapo.” (p. 77). Querem imagem mais interessante do que esta, onde se sentem a cena e a sensação úmida da chuva e do coaxar do sapo se imprimindo no leitor?!
No todo, o livro discorre sobre sentimentos e olhares adolescentes acerca do mundo ao redor. Talvez isso chame a atenção de leitores dessa faixa etária. Acrescento, no entanto, que também me chama a atenção o desejo de poetar que vemos em Lara Carneiro, e um desejo de fazer da poesia uma possibilidade de construir e se construir em termos de identidade. Assim vemos no poema “Espelho quem?” (p. 26) um eu fragmentado que se busca: “Espelho, quebrado / Inútil, mal-amado / Que nos revela / Rachados, solitários, cortados / Quebrados / Essa sou eu?”. Essa busca, porém, encontra caminhos vagos, pois o trajeto identitário à frente deve ser construído com incertezas como se lê em “Qualquer coisa” (p. 32-33): “Porque aquele pássaro que voa é o meu caminho / E me guiará”.
E que na incerteza futura encontremos Lara com mais livros, nessa empreitada-pássaro do viver e do poetizar. Que o seu desejo vigoroso de escrever nela permaneça e que continue lendo e escrevendo, se fazendo como escritora. Enquanto houver pessoas assim, a literatura sempre terá forças.

© Evaldo Balbino 2017

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Caminhada de mãe e filho

By Elimar do Carmo

Evaldo Balbino



Lino sobe com a mãe pela cidade. Vão buscar o pente de tear que dona Lucília fez. E o menino vai feliz. Quer ajudar no carregamento daquela peça cheia de palitinhos de bambu fincados ao longo de duas réguas paralelas de madeira. Entre os palitinhos passam fios que se cruzam com tiras de retalho e fazem nascer tecidos, quenturas para os frios das pessoas e beleza para todas as vidas carentes de beleza. Não querendo deixar o garoto sozinho em casa, a mãe o leva consigo, protetora.
Depois do Largo do Rosário com suas majestosas árvores, os dois passam defronte da delegacia de polícia. E o medo de sempre da cadeia, palavra forte e opressora. Dizem que somente as pessoas más é que vão parar ali, mas o vislumbre de se prender alguém como se prende na gaiola um pássaro deixa ressabiado o menino. Asas são para voos; corpos pedem passagem para a liberdade da vida. E uma cadeia prende essa liberdade, ata-a com nó desumano, rijo, apertado e impiedoso.
Ambos caminham agora pela avenida central, e a porta austera dando entrada sombria para um corredor que leva ao consultório odontológico do Antônio Resende. As paredes caiadas de branco, um cheiro de flúor que atravessa as narinas, os poros da pele, os medos das pessoas diante do barulho de um aparelho polindo dentes ou do bisturi rasgando a gengiva, buscando pela dor a saúde de uma boca ávida de vida. No centro de tudo uma cadeira grande, reclinável, onde se pode, mesmo sofrendo, sonhar com um sorriso mais limpo, uma vontade de beijo e falas longas e claras, sem peia nenhuma.
Mais adiante, depois da Limpadeira do Vantuir, o encontro. A mãe para com uma pessoa e entabulam uma conversa. É o monsenhor Nélson. Amenidades se trocam sobre a tarde que se estende num vento lerdo e calmo, sobre pessoas que faleceram recentemente, sobre a vida mesma ao rés-do-chão. Comentam até sobre os dias longos que se tecem, mas que mesmo assim são curtos para tanta coisa a se fazer.
O garoto fica olhando intrigado para o padre, esperando da mãe uma explicação do que ele não entende. Como os dois adultos continuam conversando num esquecimento da existência dele, seu corpo infantil, então, resolve alardear sua presença. E entra na conversa alheia, fazendo-se comparte daquele encontro, querendo indagar sobre coisa muito importante. E comenta sem receios: “Mãe, nunca vi mulher de cabelo raspado e com voz de homem!!”.
A genitora sofre de vergonha. O rosto queima e não titubeia na decisão de ralhar com o filho. Vai logo chamando atenção de sua cria. Sem violência, sem agressão física. Mas com autoridade.
O monsenhor, amável, lento, paciente. Sorri para o garoto, afaga-lhe a cabeça indomável e lhe sorri também com as mãos. Em seguida diz à mãe que ela precisa ter mais atenção com a vida religiosa da família, levar mais os filhos à igreja.
A mulher pede desculpas e concorda com as palavras conselheiras. O padre avança em sua caminhada, sem saber que a mãe leva o menino sim, e muito, para a igreja. Contudo não é um templo com homens vestindo batinas ou batas. O que o garoto sempre vê são homens de terno e gravata, faça sol ou chuva. Um terno de fazer suar um pobre corpo no calor dos trópicos.
Então a mãe continua com seu filho na direção da Praça Professora Rosa Soares Penido. Vão para o Canela, lá onde mora dona Lucília, a fabricadora de pentes de tear. E vai explicando ao garoto quem é aquele homem, fala da sua importância para a cidade e para os fiéis que ele pastoreia. E diz também do uso da batina, do que representa toda aquela compostura de um homem que fala em nome de Deus. “Mas ele também sua, mãe?” – interroga o garoto, querendo saber e se mostrando importante por não ter dito “soa” como muitas vezes dissera e sofrera risos de pessoas que se achavam mais sabidas do que ele.
A mulher não entende o porquê da pergunta e o questiona sobre ela. “Aquela batina parece ser quente”, responde o filho. Rindo bem alto, com vontade mesmo, a mãe diz que sim, que o padre sua, é ser humano como todo mundo.
Numa careta, então, Lino reafirma sua ideia de ser aquilo tudo muito chato. Pra que terno e gravata, pra que batina e sapatos duros e fechados num mundo onde o Sol derrete seu fogo sobre as pessoas? Isso não é certo. Isso também é cadeia, é prender as pessoas numas grades duras, de ferro. Pensa essas coisas, porém não diz mais nada. Só vai pensando rua abaixo até o Canela. Pensando um pensamento longo, largo como os fios da vida.


© Evaldo Balbino 2017

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

As mãos persistentes do equilibrista



Evaldo Balbino


Isto aqui não é um lamento. É o vagar de um corpo sobre precipícios em cujas beiras existem flores, algumas pedras que são duras e que por isso mesmo servem de apoio para pés e mãos que tentam viver. Tentam viver como se estivessem levitando. Viver da palavra, não no sentido monetário da sobrevivência, mas no sentido da vida de que se precisa, do ar que se respira.
E meu corpo passeia nuvens, se equilibra num mundo onde tudo é tão múltiplo, onde há tanto ruído e onde é tão difícil sentir o silêncio do que realmente fala. Existem muitos barulhos, bocas falam, olhos e braços gesticulam. As pessoas, no entanto, não se comunicam.
Olho para o vácuo sob meus pés e não vejo chão que me sustente, segurança que me apoie. Vejo um escuro descendo, cada vez mais. Mas insisto! Vejo nas beiradas desse escuro denso e profundo, vejo bem ali nas laterais as flores crescendo forte, as ramas rompendo a secura das rochas, os ninhos de algumas aves que vivem porque a vida é bela e urgente. Vejo pedras, cascalhos plantados nas ribanceiras e servindo de apoio para meus pés e mãos.
Logo eu que não sei fazer rapel, que não escalo montanhas, que tenho medo de alturas e patamares terríveis! Logo eu que não tenho asas, que não sou pássaro nem máquina voadora! Mesmo assim estou aqui, levitando sobre um escuro indiferente ao meu desejo de luz.
Sou aquele que vigia, que observa. Sou sentinela. Me sinto um lugar elevado de onde se observa ou se vigia. Sou mesmo este lugar.
E com meu corpo solto pelo espaço, vou atravessando os ruídos que pouco ou nada comunicam, vou tentando falar no meio de gritos, de burburinhos, de sons tantos e tontos. Sons tão pouco amáveis.
Eu vou escrevendo. Escrever é andar nesta corda bamba. Escrever, no meu caso, é insistir na grafia poética e humana das letras, mesmo que inexatos sejam os modos de lançar essas letras para o ar. Sim, sou desengonçado, um mero corpo humano tentando salvar a si e aos outros em sua inteireza. Corpos que são matéria, mas que também são alma.
As palavras, lanço-as como sementes aéreas. São tantos os pássaros, mas quase todos têm pressa de voar, de debandar, de chegar a algum destino. E quase todos não se dão conta de que não há destino algum a não ser em nós mesmos. Em nós mesmos nos olhando, nos amando, nos falando e olhando nos olhos uns dos outros, com vagar, com contemplação. Contemplar está ficando cada vez mais difícil. O mundo tem pressa e por isso mesmo despreza (sem perceber) as sementes que lhe chegam. Na velocidade da vida, nós nos perdemos.
E eu vou escrevendo, lançando essas sementes que se lançam contra muros e que desejam penetrar-lhes as entranhas impenetráveis. Um desejo de que a poesia seja entranhável me toma. As sementes precisam abrolhar amores. Vou escrevendo, apesar dos ruídos, das pressas, das vidas presas em utilidades ilusórias. Vou lançando sementes, não obstante as debandadas dos pássaros. E amo esses passarinhos! Do mesmo jeito amo as sementes que são crias deles. As palavras são ovo e promessa que engendramos num desejo de compreender e de sentir a vida.
Vou escrevendo, vou prosseguindo nesta corda bamba. Sou um equilibrista. O escuro é surdo, muitas vezes. Mas quem sabe um dia ele me ouvirá. Lanço-lhe sementes, e dele haverá de brotarem um dia flores verdes, alegrias tantas, almas plenas e dóceis para aquilo que é luz em nós. Ficarão dispostas, estas almas, a se deslumbrarem com tanta luz. Luz que ilumina com beleza a vida.
Vou escrevendo num mundo belo e sofrido, vendo pelas frestas das palavras os corações que batem. E com isso dou ao mundo o meu ato de coragem. Porque escrever é ter coragem de me manter como um dos atalaias da alma. Da minha, da nossa alma. Eu me sonho, escrevendo, um guardador de letras, esses rebanhos que nos apascentam, que nos mandam para um campo vasto e cheio de espinhos, mas cheio também de caminhos para as trilhas vitais.
Não é fácil persistir num mundo em que a literatura é só ornamento, avenca sem função nenhuma numa parede. E quanta função tem uma avenca, meu Deus! Com suas folhas frágeis, ela enfeita o meu dia e a minha noite. Enfeita o meu ato de olhar. E incide sobre o que olho uma outra possibilidade, uma inquieta luz.
Mas estamos na vida é para persistir, não é mesmo?! Devemos persistir no que amamos!!

© Evaldo Balbino 2017

sábado, 2 de setembro de 2017

Lançamento - "Fantasma de Joana d'Arc"

Meus caros amigos, é com satisfação que convido a todos para os eventos de lançamento do meu mais novo livro, Fantasma de Joana d'Arc.
 
1. Resende Costa - MG - Teatro Municipal: 08/09/2017 (Convite abaixo)
 
2. Belo Horizonte - MG - Livraria Café com Letras: 23/09/2017 (Convite abaixo)
 
3. São João del Rei - MG - Academia de Letras de São João del Rei: 24/09/2017
 
4. Montes Claros - MG: Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES): 18/10/2017
 


 
 
 
Fantasma de Joana d’Arc é o terceiro livro de poesias de Evaldo Balbino e sétimo de sua produção. Estudioso da poesia mística, com dissertação de mestrado e tese de doutorado sobre Adélia Prado e Santa Teresa d’Ávila, Evaldo Balbino – professor de Português e de Literatura da Universidade Federal de Minas Gerais – reinscreve nessa obra, mais do que nos dois livros de poesia anteriores, um discurso poético sobre o sagrado/profano num viés místico-erótico e místico-homoerótico. Toma-se, ao longo do livro, a figura histórico-mítica de Joana d’Arc para a construção de poemas místico-eróticos, nos quais vozes poéticas femininas/masculinas misturam o sagrado e o profano. Desse modo, comparecem no livro Fantasma de Joana d’Arc, entre outras temáticas: uma discussão poética sobre a alma humana e sobre as reverberações da vida nessa alma; os tabus e as repressões que, na cultura geral e religiosa, recaem sobre o humano; metalinguagem que reitera um fazer literário investido do sagrado e da labuta com as palavras; discursos de libertação do ser, em sua nudez e inteireza corporal/espiritual.
 
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Texto que consta na orelha do livro

 

Evaldo Balbino em seu livro Fantasma de Joana d’Arc retoma procedimentos poéticos anteriores, mas imprime uma poética particular nascida do imaginário passional que oferece a personagem de Joana d’Arc. Imaginário nutrido não só pelo mito, mas também por intertextualidades como a que realiza com o cinema de Carl Theodor Dreyer. Joana oferece diversas possibilidades desde o relato, às vezes em terceira pessoa e às vezes em primeira, até a apelação:

 

Alimentaste, Joana,

um falso sonho humano,

um falso sonho sem fim. (p 37)

 

Um procedimento muito sutil é o jogo do travestismo poético, por exemplo, no poema que dá origem ao título da obra, “Fantasma de Joana d`Arc”:

 

Sigo na escura procura,

deixo-os gritando na praça

chamando-me bruxa e puta. (p.69)

 

Além desta convocação ao mito, o livro constrói o eu poético e sua palavra por meio de poemas existenciais (“Arte de encenar”, entre outros) ou meta-literários como “O poeta, a flor e o pássaro”.  Alguns poemas, inclusive, combinam os dois procedimentos performaticamente: do texto ao corpo e do corpo ao texto.

 

Mamãe dizia

que eu era um anjo

e que na terra eu viveria

como no céu.

 

Mas sou poeta. (p.52)

 

Não posso fechar esta rápida apresentação sem dizer do peso da religiosidade e da força passional que aparece no conjunto da obra. Os versos confundem o leitor dentro de uma atmosfera na qual se combinam o divino com as referências mitológicas (Tânatos, Eros), artísticas (Guido Reni), históricas (Catarina de Alexandria), para transbordarem com uma palavra que não aceita fronteiras nem dogmatismos:

 

Meus olhos abertos, apesar de tudo,

não pedindo perdão

por não dormirem o sono dos justos,

te proclamam ó deus desertado!

Exilado das molduras nas paredes

e dos corações dogmáticos. (p. 43)

 

O Fantasma de Joana d`Arc é um livro de múltiplas facetas, mas seus versos primam pelos motivos recorrentes na obra de Evaldo Balbino: o eu, a paixão, o corpo, a religiosidade e a escrita poética. Seus poemas convocam uma série de personagens que, como se fossem uma corte, acompanham a trajetória da existência e do escrever.

 

Sara Rojo
                                                                                                 (UFMG/CNPq)