Verso do poema "(Des)motivo" - do livro "Moinho" - 1ª edição 2006; 2ª edição 2021

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Livros meus - onde adquirir



Prezados e prezadas, boa noite.

Em resposta a perguntas que me vêm chegando in box, digo-lhes que todos os meus títulos estão à venda em livrarias virtuais, tanto no Brasil quanto no exterior. Seguem alguns links:

Livraria Cultura:

7Letras:

Livraria Saraiva:

Fnac:

Livraria da Travessa:
https://www.travessa.com.br/Busca.aspx?d=1&cta=1&ta=Evaldo Balbino&o=1


Estante Virtual:

Martins Fontes:

Livraria da Folha:

Submarino:

Nelpa:

Livrarias Curitiba:

Livraria do Psicólogo e Educador:

Caixa dos Advogados do Paraná:

Cia dos Livros:

Rakuten Kobo:

Alibris:

sábado, 14 de outubro de 2017

Pássaro como destino: notas para o livro "Desatino" de Lara Carneiro Magalhães



Vira e mexe vou a Montes Claros para atuar como membro titular de bancas de mestrado, avaliando trabalhos acadêmicos que me surpreendem sempre pelo caráter acurado das pesquisas realizadas na Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES). Numa dessas empreitadas, conheci a então candidata a mestre, hoje já portadora do título, Noêmia Coutinho Pereira Lopes.
Na ocasião, a professora Noêmia muito me surpreendeu com sua intensa dedicação ao ensino. E a partir de então continuamos em contato, mesmo que à distância. Ela me disse de um projeto de leitura e escrita que desenvolve com seus alunos do Ensino Fundamental, intitulado “Escritores da liberdade na estrada de tijolos amarelos”, numa referência aqui ao fabuloso e inesquecível mundo de Oz criado por L. Frank Baum.
Recentemente, agora em agosto de 2017 num congresso no Rio de Janeiro, nós nos reencontramos e ela me presenteou com três livros de alunas suas que participaram do referido projeto: Lara Carneiro Magalhães, Bibi Ribeiro e Anna Luiza Rocha. Cito os nomes seguindo os anos de edição de cada livro, respectivamente, 2015, 2016, 2017. E seguindo essa ordem, comecei a leitura pelo livro Desatino, de Lara, editado em 2015. Feita a leitura desse volume de poesias, deixo aqui algumas notas.
Estamos no terreno da poesia. E me alegra ver alguém tão jovem (Lara Carneiro nasceu em Montes Claros em 2001) trilhando esse terreno. E acrescento que, no livro em questão, as ilustrações de Karoline Soares recriam com arte e sensibilidade as sensações construídas pelos poemas.
De imediato Lara nos coloca diante da importância, para si, do escrever, da escrita que se faz como busca de autoconhecimento e de entendimento: “Atualmente, escrevo porque encontro nas palavras tudo de que preciso. Posso fazer delas o que eu quiser [...] Este exemplar é apenas uma mera tentativa de fazê-lo, de achar um ponto na reta em que eu realmente me encontre” (“Nota da autora”, p. 7). A busca por esse “ponto na reta” se configura numa imagem bela criada pela jovem autora no poema “Sintonia contraditória” (p. 44): “Páginas nunca terão asas, / Palavras sempre têm.”. E é nas asas das palavras que a poesia se faz, voando, permitindo ao sujeito desejar e criar imagens para o seu desejo: “Pois que amemos; apaixonemo-nos às danças sutis dos ventos!” (“O conceito do amor”, p. 38).
No livro como um todo, encontramos aqui e acolá momentos que demonstram o tato da autora com as palavras poéticas, o que demonstra possibilidades de ela avançar pelo campo da poesia – esta “estrada amarela” –, caso prossiga nessa senda como leitora da boa arte poética e como produtora constante e persistente de textos nessa linha. Assim destaco algumas imagens tais como: “Eu sonho / Sonho com a neve / Nevando quente / Veneno de serpente / Sonho pesadelo / Simplesmente sonho” (“Sonhos”, p. 54) e “Um vazio cheio de nada / Uma escuridão iluminada / Um fogo de chamas frias / Um poema sem rimas / É o tempo se consumindo” (“Como é”, p. 24). Essas imagens paradoxais apontam para a potência do sonho e também para a passagem do tempo, o tempo escoando e ecoando também no belo poema “Relógio de bolso” (p. 20), em que se tece um desejo de parar o tempo, o inexorável tempo.
Destaco outros poemas que, no todo, são melhor realizados, pois apresentam linguagem ágil, condensada, com imagens que mais sugerem do que realmente dizem. E isso, sabemos, é um dos grandes alicerces da poesia. Tais poemas são “Plano de fuga” (p. 55), “Identidades” (p. 58-59), “Nosso tesouro” (p. 71) e “Sabor de chuva” (p. 77). Destaco este último, onde as imagens rápidas e inusitadas são certeiras, recriando sensações do ser atreladas ao momento líquido que a chuva proporciona: “Chuva / Chovendo / De mansinho, / Paira / No ar / Sinal de / Sapo.” (p. 77). Querem imagem mais interessante do que esta, onde se sentem a cena e a sensação úmida da chuva e do coaxar do sapo se imprimindo no leitor?!
No todo, o livro discorre sobre sentimentos e olhares adolescentes acerca do mundo ao redor. Talvez isso chame a atenção de leitores dessa faixa etária. Acrescento, no entanto, que também me chama a atenção o desejo de poetar que vemos em Lara Carneiro, e um desejo de fazer da poesia uma possibilidade de construir e se construir em termos de identidade. Assim vemos no poema “Espelho quem?” (p. 26) um eu fragmentado que se busca: “Espelho, quebrado / Inútil, mal-amado / Que nos revela / Rachados, solitários, cortados / Quebrados / Essa sou eu?”. Essa busca, porém, encontra caminhos vagos, pois o trajeto identitário à frente deve ser construído com incertezas como se lê em “Qualquer coisa” (p. 32-33): “Porque aquele pássaro que voa é o meu caminho / E me guiará”.
E que na incerteza futura encontremos Lara com mais livros, nessa empreitada-pássaro do viver e do poetizar. Que o seu desejo vigoroso de escrever nela permaneça e que continue lendo e escrevendo, se fazendo como escritora. Enquanto houver pessoas assim, a literatura sempre terá forças.

© Evaldo Balbino 2017

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Caminhada de mãe e filho

By Elimar do Carmo

Evaldo Balbino



Lino sobe com a mãe pela cidade. Vão buscar o pente de tear que dona Lucília fez. E o menino vai feliz. Quer ajudar no carregamento daquela peça cheia de palitinhos de bambu fincados ao longo de duas réguas paralelas de madeira. Entre os palitinhos passam fios que se cruzam com tiras de retalho e fazem nascer tecidos, quenturas para os frios das pessoas e beleza para todas as vidas carentes de beleza. Não querendo deixar o garoto sozinho em casa, a mãe o leva consigo, protetora.
Depois do Largo do Rosário com suas majestosas árvores, os dois passam defronte da delegacia de polícia. E o medo de sempre da cadeia, palavra forte e opressora. Dizem que somente as pessoas más é que vão parar ali, mas o vislumbre de se prender alguém como se prende na gaiola um pássaro deixa ressabiado o menino. Asas são para voos; corpos pedem passagem para a liberdade da vida. E uma cadeia prende essa liberdade, ata-a com nó desumano, rijo, apertado e impiedoso.
Ambos caminham agora pela avenida central, e a porta austera dando entrada sombria para um corredor que leva ao consultório odontológico do Antônio Resende. As paredes caiadas de branco, um cheiro de flúor que atravessa as narinas, os poros da pele, os medos das pessoas diante do barulho de um aparelho polindo dentes ou do bisturi rasgando a gengiva, buscando pela dor a saúde de uma boca ávida de vida. No centro de tudo uma cadeira grande, reclinável, onde se pode, mesmo sofrendo, sonhar com um sorriso mais limpo, uma vontade de beijo e falas longas e claras, sem peia nenhuma.
Mais adiante, depois da Limpadeira do Vantuir, o encontro. A mãe para com uma pessoa e entabulam uma conversa. É o monsenhor Nélson. Amenidades se trocam sobre a tarde que se estende num vento lerdo e calmo, sobre pessoas que faleceram recentemente, sobre a vida mesma ao rés-do-chão. Comentam até sobre os dias longos que se tecem, mas que mesmo assim são curtos para tanta coisa a se fazer.
O garoto fica olhando intrigado para o padre, esperando da mãe uma explicação do que ele não entende. Como os dois adultos continuam conversando num esquecimento da existência dele, seu corpo infantil, então, resolve alardear sua presença. E entra na conversa alheia, fazendo-se comparte daquele encontro, querendo indagar sobre coisa muito importante. E comenta sem receios: “Mãe, nunca vi mulher de cabelo raspado e com voz de homem!!”.
A genitora sofre de vergonha. O rosto queima e não titubeia na decisão de ralhar com o filho. Vai logo chamando atenção de sua cria. Sem violência, sem agressão física. Mas com autoridade.
O monsenhor, amável, lento, paciente. Sorri para o garoto, afaga-lhe a cabeça indomável e lhe sorri também com as mãos. Em seguida diz à mãe que ela precisa ter mais atenção com a vida religiosa da família, levar mais os filhos à igreja.
A mulher pede desculpas e concorda com as palavras conselheiras. O padre avança em sua caminhada, sem saber que a mãe leva o menino sim, e muito, para a igreja. Contudo não é um templo com homens vestindo batinas ou batas. O que o garoto sempre vê são homens de terno e gravata, faça sol ou chuva. Um terno de fazer suar um pobre corpo no calor dos trópicos.
Então a mãe continua com seu filho na direção da Praça Professora Rosa Soares Penido. Vão para o Canela, lá onde mora dona Lucília, a fabricadora de pentes de tear. E vai explicando ao garoto quem é aquele homem, fala da sua importância para a cidade e para os fiéis que ele pastoreia. E diz também do uso da batina, do que representa toda aquela compostura de um homem que fala em nome de Deus. “Mas ele também sua, mãe?” – interroga o garoto, querendo saber e se mostrando importante por não ter dito “soa” como muitas vezes dissera e sofrera risos de pessoas que se achavam mais sabidas do que ele.
A mulher não entende o porquê da pergunta e o questiona sobre ela. “Aquela batina parece ser quente”, responde o filho. Rindo bem alto, com vontade mesmo, a mãe diz que sim, que o padre sua, é ser humano como todo mundo.
Numa careta, então, Lino reafirma sua ideia de ser aquilo tudo muito chato. Pra que terno e gravata, pra que batina e sapatos duros e fechados num mundo onde o Sol derrete seu fogo sobre as pessoas? Isso não é certo. Isso também é cadeia, é prender as pessoas numas grades duras, de ferro. Pensa essas coisas, porém não diz mais nada. Só vai pensando rua abaixo até o Canela. Pensando um pensamento longo, largo como os fios da vida.


© Evaldo Balbino 2017